quarta-feira, 11 de junho de 2014

2014: A Copa Que Não Vi

"Problemas Sociais", desenho do artista Ivan Navarro.

A primeira Copa do Mundo que acompanhei com atenção foi a Copa de 1990, realizada na Itália. Essa foi também a única Copa em que ganhei um álbum de figurinhas do evento (álbum esse que completei e que possuo até hoje). Entrementes, não torci para a seleção brasileira. Minha admiração dividia-se entre o time holandês da então superdupla de ataque do Milan, formado por Marco van Basten e Ruud Gullit, e pelo coeso time inglês de Gary Lineker. Já no que tange o time dirigido por Sebastião Lazaroni, não conseguia nutrir o mínimo espectro de simpatia. No último ato dessa mesma Copa, assisti a final entre Argentina e Alemanha na casa de minha avó paterna, e através de meus parentes, fui confrontado pela primeira vez, com a animosidade ufânica e irracional que muitas pessoas daqui nutrem contra nossos primos argentinos. Era 1990 e eu tinha apenas doze anos de idade.

Passaram-se cinco Copas e nada mudou. Hoje, onze de junho de 2014, véspera da controversa Copa do Brasil, continuo com o mesmo sentimento apático com o time brasileiro. Todavia, com um agravante: Não assistirei essa Copa.

Sim. Não é momentânea minha aversão ao futebol. Fazem uns bons dez anos que não mais frequento estádios (costumava ir tanto ao Pacaembú, bem como à Rua Javari). O futebol tonou-se algo chato para mim, pois com a saída dos grandes jogadores do país, os times limitam-se a mesclar rebentos verdes e sem um destino concreto, com veteranos decadentes e limitados por conta de cotidianas intervenções cirúrgicas. Isso, sem mencionar o esgoto fétido da cartolagem mundial.

Entretanto, voltemos ao assunto da Copa de Dois Mil e Catorze. Primeiramente, essa Copa não é nossa. A Copa é da FIFA e de um conglomerado de empresas nacionais e multinacionais, que querem lucrar seus bilhões de dólares com o evento. É errado lucrar? Claro que não. A mera questão da sobrevivência implica em lucro. Mas, não consigo ter ânimo para assistir uma Copa estúpida como essa. Parte da imprensa noticia o fato de que mais de duzentas mil pessoas perderam suas casas, em face da desapropriação para construção de estádios e outras obras referentes à Copa. Destarte, alguém pode oferecer o seguinte argumento: “Ah, mas eram pessoas que moravam em favelas.” Não interessa! Mesmo morando em uma favela, era o único lugar que essas pessoas tinham para viver. Algumas das famílias que foram expulsas pela expropriação, residiam a mais de quatro gerações no lugar. Foram expulsas de suas casas sem nenhuma dignidade, com muita truculência policial, levando uma esmola dada pelo governo, mas sem outra casa para ter como lar. Só isso, é muita lama. Muita sordidez.

Não querendo apelar ao senso comum, mas realmente não é possível fazer uma Copa com hospitais e escolas. Mas a questão que não calo é a seguinte: É possível fazer um país sem hospitais e sem escolas? A palavra que define os serviços públicos no Brasil não é ausência, mas sim precariedade. Apesar da massiva carga tributária que vigora atualmente no Brasil, temos serviços públicos de péssima qualidade. Não é preciso informar-se através da mídia sensacionalista, para saber acerca dos absurdos que ocorrem em hospitais, escolas e outras instituições públicas.

Antes que alguém venha dizer que tenho síndrome de vira-lata (o “ame-o ou deixe-o” das pessoas simpatizantes do atual governo) por não apoiar a Copa e o time brasileiro, afirmo que é o próprio Governo Federal que está com essa síndrome, pois não apenas isentou a FIFA e seus parceiros de quaisquer tributos, bem como submeteu seu próprio povo a uma lei, onde a empresa proprietária do evento (FIFA) tem status de “Rei Sol” em uma terra estrangeira.

Lembremos também, de que metade dos estádios construídos são autênticos “elefantes brancos”, e que poderão ser demolidos a partir da data de treze de julho deste ano, pois não terão serventia alguma depois da Copa. Honestamente, não consigo digerir o fato da construção de um estádio com as dimensões de um Wembley, em uma cidade como Manaus. Cidades como essa, que não possuem nenhum time na primeira divisão do campeonato nacional, bem como, estão irrevogavelmente fora da rota dos grandes espetáculos internacionais, por não terem público suficiente para lotar um evento de grande porte. Um completo descaso e desperdício, financiado com o dinheiro público, ao contrário do que aconteceu na Copa de 2006, realizada na Alemanha, onde o Estado investiu apenas na infraestrutura urbana, sendo todo o investimento bruto do evento destinado à iniciativa privada. E sim! A FIFA pagou impostos nessa Copa.

Bom, é isso. Ainda não sei se passarei essa Copa nas ruas protestando ou em casa (lendo ou escrevendo). Mas um fato é indiscutível: 2014 ficará marcado em minha vida, como o ano que não vi a Copa.

Um comentário:

  1. essa copa só militante partidário ia achar que ia ser bacana e não ia ter bilhões em desvios uahauha

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