quarta-feira, 25 de junho de 2014

O Brasil Já Teve A Sua Penguin Books

Até a década passada, havia no mercado livreiro brasileiro, uma editora que possuía uma identidade e uma qualidade sem comparativos. Publicava livros clássicos com qualidade e em formato portátil. Essa era a editora Ediouro, que outrora fora conhecida como Edições de Ouro. A Ediouro ainda existe no mercado, porém sem qualquer explicação, deixou de publicar os excelentes livros clássicos, para dedicar-se a livros de apelo mais popular, como autoajuda e romances “água com açúcar”.

Lembro-me como se fosse hoje, que durante minha infância, sempre quando ia ao Centro de São Paulo com minha avó, passávamos em uma filial da extinta livraria Curió (que pertencia à Ediouro) e comprávamos revistas de palavra cruzada e livros das saudosas coleções Fantasminha e Elefante. Anos depois, quando entrei na adolescência, adquiri vários livros da coleção Universidade (que anos depois passou a ser chamada pelo simples nome de Clássicos de Bolso), dentre obras como Ilíada e Odisséia (Homero), A República (Platão), O Príncipe (Maquiavel), Drácula (Bram Stoker), Frankenstein (Mary Shelley) e outros mais.

Eram livros de ótima qualidade, que possuíam algumas capas em papel com relevo. As folhas internas também eram compostas de um papel de ótima qualidade, com uma diagramação muito boa, sendo que muitas continham ilustrações.

É com uma boa dose de tristeza, que vejo hoje o fim dessa maravilhosa fábrica de sonhos. Readquiri vários livros das coleções Universidade e Elefante, mas a maioria esmagadora desses foram adquiridos em sebos (a minoria provavelmente foi fruto de estoques esquecidos). Realmente, em questão de comparação com o padrão de qualidade da Penguin Books, não consigo pensar em outra editora que não seja a Ediouro. Como apreciador de seu trabalho, espero que sua diretoria reveja suas diretrizes e volte a produzir as coleções clássicas.

Posso seguramente afirmar, que a Ediouro foi uma de minhas principais vias de acesso à leitura e certamente, se não fosse por essa via, não seria o leitor e escritor que sou hoje.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

2014: A Copa Que Não Vi

"Problemas Sociais", desenho do artista Ivan Navarro.

A primeira Copa do Mundo que acompanhei com atenção foi a Copa de 1990, realizada na Itália. Essa foi também a única Copa em que ganhei um álbum de figurinhas do evento (álbum esse que completei e que possuo até hoje). Entrementes, não torci para a seleção brasileira. Minha admiração dividia-se entre o time holandês da então superdupla de ataque do Milan, formado por Marco van Basten e Ruud Gullit, e pelo coeso time inglês de Gary Lineker. Já no que tange o time dirigido por Sebastião Lazaroni, não conseguia nutrir o mínimo espectro de simpatia. No último ato dessa mesma Copa, assisti a final entre Argentina e Alemanha na casa de minha avó paterna, e através de meus parentes, fui confrontado pela primeira vez, com a animosidade ufânica e irracional que muitas pessoas daqui nutrem contra nossos primos argentinos. Era 1990 e eu tinha apenas doze anos de idade.

Passaram-se cinco Copas e nada mudou. Hoje, onze de junho de 2014, véspera da controversa Copa do Brasil, continuo com o mesmo sentimento apático com o time brasileiro. Todavia, com um agravante: Não assistirei essa Copa.

Sim. Não é momentânea minha aversão ao futebol. Fazem uns bons dez anos que não mais frequento estádios (costumava ir tanto ao Pacaembú, bem como à Rua Javari). O futebol tonou-se algo chato para mim, pois com a saída dos grandes jogadores do país, os times limitam-se a mesclar rebentos verdes e sem um destino concreto, com veteranos decadentes e limitados por conta de cotidianas intervenções cirúrgicas. Isso, sem mencionar o esgoto fétido da cartolagem mundial.

Entretanto, voltemos ao assunto da Copa de Dois Mil e Catorze. Primeiramente, essa Copa não é nossa. A Copa é da FIFA e de um conglomerado de empresas nacionais e multinacionais, que querem lucrar seus bilhões de dólares com o evento. É errado lucrar? Claro que não. A mera questão da sobrevivência implica em lucro. Mas, não consigo ter ânimo para assistir uma Copa estúpida como essa. Parte da imprensa noticia o fato de que mais de duzentas mil pessoas perderam suas casas, em face da desapropriação para construção de estádios e outras obras referentes à Copa. Destarte, alguém pode oferecer o seguinte argumento: “Ah, mas eram pessoas que moravam em favelas.” Não interessa! Mesmo morando em uma favela, era o único lugar que essas pessoas tinham para viver. Algumas das famílias que foram expulsas pela expropriação, residiam a mais de quatro gerações no lugar. Foram expulsas de suas casas sem nenhuma dignidade, com muita truculência policial, levando uma esmola dada pelo governo, mas sem outra casa para ter como lar. Só isso, é muita lama. Muita sordidez.

Não querendo apelar ao senso comum, mas realmente não é possível fazer uma Copa com hospitais e escolas. Mas a questão que não calo é a seguinte: É possível fazer um país sem hospitais e sem escolas? A palavra que define os serviços públicos no Brasil não é ausência, mas sim precariedade. Apesar da massiva carga tributária que vigora atualmente no Brasil, temos serviços públicos de péssima qualidade. Não é preciso informar-se através da mídia sensacionalista, para saber acerca dos absurdos que ocorrem em hospitais, escolas e outras instituições públicas.

Antes que alguém venha dizer que tenho síndrome de vira-lata (o “ame-o ou deixe-o” das pessoas simpatizantes do atual governo) por não apoiar a Copa e o time brasileiro, afirmo que é o próprio Governo Federal que está com essa síndrome, pois não apenas isentou a FIFA e seus parceiros de quaisquer tributos, bem como submeteu seu próprio povo a uma lei, onde a empresa proprietária do evento (FIFA) tem status de “Rei Sol” em uma terra estrangeira.

Lembremos também, de que metade dos estádios construídos são autênticos “elefantes brancos”, e que poderão ser demolidos a partir da data de treze de julho deste ano, pois não terão serventia alguma depois da Copa. Honestamente, não consigo digerir o fato da construção de um estádio com as dimensões de um Wembley, em uma cidade como Manaus. Cidades como essa, que não possuem nenhum time na primeira divisão do campeonato nacional, bem como, estão irrevogavelmente fora da rota dos grandes espetáculos internacionais, por não terem público suficiente para lotar um evento de grande porte. Um completo descaso e desperdício, financiado com o dinheiro público, ao contrário do que aconteceu na Copa de 2006, realizada na Alemanha, onde o Estado investiu apenas na infraestrutura urbana, sendo todo o investimento bruto do evento destinado à iniciativa privada. E sim! A FIFA pagou impostos nessa Copa.

Bom, é isso. Ainda não sei se passarei essa Copa nas ruas protestando ou em casa (lendo ou escrevendo). Mas um fato é indiscutível: 2014 ficará marcado em minha vida, como o ano que não vi a Copa.